A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA PARA A FORMAÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA NA PRIMEIRA INFÂNCIA
A história da humanidade nos mostra que a música começa juntamente com a história do homem. Desde a pré-história, é bem provável que o homem observava os sons da natureza, dos animais e os imitava, buscando se comunicar e produzir atividades que se baseassem na organização dos sons. Existem registros de instrumentos musicais feitos 40.000 A.C, como a flauta de Divje Babe feita com um osso de animal e descoberta em uma caverna na Eslovênia. O homem já tentava criar suas próprias melodias e ritmos já na pré-história.
Conforme dados antropológicos, as primeiras músicas foram utilizadas em rituais como nascimento, festas de casamento, funerais, rituais religiosos, etc. A música expandiu-se ao longo dos anos e atualmente, não há conhecimento de alguma civilização que não tenha sua própria música.
A especialista argentina especializada em psicopedagógia musical Violeta Gainza (1988, p.22) destaca: “A música e o som, enquanto energia, estimulam o movimento interno e externo do homem; impulsionando a ação e promovendo nele uma multiplicidade de condutas de diferentes qualidades e graus”.
A música se tornou uma linguagem universal que une as pessoas, que faz parte da identidade cultural de cada povo, uma forma de comunicar, de celebrar, é capaz de influenciar nossas emoções, imprimir fatos em nossa memória, nossos pensamentos e nos trazer sensações de bem-estar.
O famoso filósofo da Grécia Antiga, Platão, em sua obra “República” disse: “Deixem-me compor as músicas de um país e não me preocuparei com quem faça suas leis”. Isso demonstra o quanto em sua visão, ele considerava a música poderosa para influenciar a sociedade.
A verdade, é que sem dúvida a música que escutamos fala muito sobre quem somos.
Há muito tempo, pesquisadores estudam sobre a influência da música nas atividades cerebrais. Estudos comprovados, como a pesquisa realizada pela Universidade de Vermont nos EUA provaram que as crianças que estudavam música desde a infância apresentaram ganhos positivos e duradouros em relação ao desenvolvimento cerebral. Os estudos afirmaram que estudar música melhora as funções executivas do cérebro, responsáveis por habilidades como memória, controle de atenção, organização e planejamento do futuro. Isso acontece porque praticar música, como tocar um instrumento musical, envolve foco e disciplina, além de utilizar a coordenação das mãos, senso rítmico, estímulo visual e auditivo.
A música também ativa o neurotransmissor do prazer no cérebro, a dopamina. Isso ajuda a explicar porque a música sempre fez parte da vida das pessoas e é muito utilizada em festas, em filmes e pelo marketing. Além de contribuir para o bem-estar do ser humano, a música pode ajudar a melhorar o funcionamento do nosso cérebro, principalmente quando praticamos música com regularidade.
A Neurociência comprova que o cérebro pode mudar sua própria estrutura, através dos pensamentos e atividades estimulantes. O cérebro é vulnerável às influências externas e pode ser exercitado como se fosse um músculo. O fato é que a música nos envolve em diversos níveis e através de sua prática, desenvolvemos habilidades motoras, cognitivas e linguísticas. Todos podem desenvolver a inteligência musical, desde que tenham contato com a música de forma agradável e pratique bastante. Isso foi comprovado pelo famoso psicólogo cognitivo educacional Howard Garden, em sua Teoria das Inteligências Multiplas. https://pt.wikipedia.org/wiki/Howard_Gardner
A música pode fortalecer áreas importantes nos primeiros anos de vida, quando a neuroplasticidade (capacidade do cérebro de modificar sua estrutura e função através de experiências anteriores) é maior, mas é preciso salientar que a plasticidade continua na fase adulta. Nunca é tarde para praticar música. Ao aprender a tocar um instrumento musical por exemplo, estamos exercitando nossas habilidades mentais, refinando nossa capacidade de ouvir e desenvolvendo o controle motor fino, o que ajudará na firmeza de equilíbrio e na mobilidade. Ou seja, desenvolvendo essa nova habilidade, programaremos nosso cérebro para envelhecer em melhores condições.
A música está acessível a todos, não importa a idade. Aliás, quanto antes começar, melhor.
MÚSICA PARA ESTIMULAR AS HABILIDADES DA CRIANÇA
As crianças desde bem pequenas, demonstram um interesse natural pela música. De maneira geral, expressam suas emoções com maior facilidade através da música do que pelas palavras. Através desta linguagem tão atraente, podemos utilizá-la como uma ferramenta poderosa para ampliação do desenvolvimento cognitivo, motor e emocional das crianças.
O famoso epistemólogo suíço Jean Piaget em suas pesquisas sobre a construção do conhecimento pela criança, nos prova o quanto é necessário a afetividade para oferecer a energia e disposição para desejar aprender. Por outro lado, a inteligência fornece a estrutura da ação para a construção da aprendizagem. Ou seja, para que a criança queira aprender é necessário estar motivada, em um ambiente que favoreça seu desenvolvimento afetivo.
A música geralmente atrai crianças de todas as idades, pois é uma linguagem que elas logo se identificam, visto que a partir do quinto mês de vida uterina, o bebê já entra em contato com o mundo sonoro e ao nascer, nos primeiros dias de vida, muitos já são acalentados e embalados ao som das cantigas de ninar, com grande carga de afeto ente o adulto e a criança.
Edgar Willems, grande pioneiro da educação musical em sua metodologia, pontuava que o desenvolvimento da linguagem musical ocorre da mesma maneira que a linguagem materna. Todo conhecimento em seu método, deve partir da atividade prática, chegando à abstração do conhecimento teórico. Essas atividades têm como base a canção de todo o processo de manifestação musical. Antes de aprender a tocar um instrumento musical, é importante a prática musical do canto, pois quando cantamos, estamos desenvolvendo nossa percepção auditiva, nosso ouvido musical. De acordo com Elvira Drummond (2005) o canto é a mais completa forma de manifestação musical, visto que abraça os três elementos construtivos da linguagem: ritmo, melodia e harmonia. Segundo Willems, o ritmo está relacionado ao aspecto fisiológico do ser humano; a melodia ao afetivo e a harmonia, ao intelectual.
Esse processo musical é chamado de musicalização infantil, que são propostas que tem como objetivo principal, contribuir com o desenvolvimento global da criança, onde ela terá a oportunidade de vivenciar a linguagem musical através de brincadeiras, jogos musicais, histórias, em um espaço de sensibilização, onde ela poderá construir seu próprio conhecimento, através de práticas e reflexões musicais.
A música globaliza naturalmente os aspectos do desenvolvimento infantil: afetivo/social, cognitivo/linguístico e psicomotor. Todos estes aspectos do desenvolvimento estão interligados e a aprendizagem só será possível se houver a maturação e organização neurológica. Para que isso aconteça, são necessários estímulos externos que são captados pelos nossos sentidos. Depois de transformados em impulsos eletroquímicos, os estímulos passam das células nervosas receptoras para o Sistema Nervoso Central, onde os impulsos são redirecionados para áreas distintas do cérebro, nas quais são decodificados e interpretados .
Portanto, os estímulos externos que causam as chamadas percepções sensoriais são de extrema importância para o desenvolvimento, principalmente na infância. Quanto mais aprimorar suas percepções, mais estará desenvolvendo ampliando seu repertório de mundo e consequentemente, a inteligência.
Segundo Piaget: “a própria criança abre a porta para o mundo exterior”. Ou seja, conforme ela vai recebendo estímulos através de diversas experiência musicais, respeitando sempre os interesses e necessidades da criança, ela vai construindo seu conhecimento, de forma agradável.
Ao proporcionar um espaço onde à criança possa se expressar e interagir de forma lúdica, estaremos proporcionando condições para que a criança se sinta estimulada em querer se apropriar da linguagem musical. A música é um processo muito dinâmico porque envolve canto, audição, movimento, sons do corpo, melodia, ritmo, apreciação musical, ou seja, oferece muitas percepções sensoriais. Através de tantas atividades variadas, que oferecem estímulos com diferentes coordenações, estamos potencializando o desenvolvimento das crianças nas áreas afetivo-social, psicomotora e cognitivo- linguístico.
Através de atividades coletivas, a criança vai formando sua identidade, aprende a se relacionar e a cooperar com os demais. Brincadeiras, rimas e cantigas de roda, por exemplo, são atividades que promovem um grande estímulo no cérebro, pois necessitam de diferentes coordenações. É necessário cantar, dançar, sincronizar o movimento para a roda girar no andamento adequado, prestar atenção nos comandos sugeridos durante a canção, além da parceria entre todos os amigos que estão brincando e se socializando. Desta forma, a criança exercita sua criatividade e imaginação, sua desinibição e aprende também a respeitar as regras do jogo e a cooperar, além de apresentar á criança valores culturais do seu meio. São atividades essenciais, inclusive para a aquisição da fala e preparam a criança para a escrita.
A professora de música da Universidade Federal do Ceará, Elvira Drummond, destaca o espaço lúdico como propulsor da criação: “É, portanto, entre o real e o imaginário que o artista e a criança transitam em suas atividades, o que nos sugere o trocadilho: a arte é o brinquedo do artista e a brincadeira é a arte da criança”.
As atividades de musicalização que exploram o universo sonoro também fazem parte da rotina, pois trabalham o foco, a atenção, a análise para os fenômenos sonoros, desenvolvendo a capacidade auditiva de analisar e selecionar sons diversos e contribuindo para o ajuste social da criança. Uma das estratégias são as histórias sonorizadas, onde podemos retratar sonoramente os ambientes familiares das crianças, como sons do campo, da praia, de instrumentos musicais, etc. O professor pode utilizar tanto a própria voz para fazer os sons, como também pode sonorizar com instrumentos musicais, objetos sonoros ou o próprio som do personagem previamente gravado em um cd. As crianças também podem fazer sonoplastia da história ou de uma canção, com os mesmos objetos, desenvolvendo assim a imaginação e pesquisa de diversos timbres (som que ouvimos) e através deste, os outros parâmetros da linguagem musical podem ser explorados em seguida, tornando para a criança o mundo sonoro rico e cheio de detalhes. A criança que ouve bem, terá facilidade para aprender em qualquer área e caso for aprender a tocar um instrumento musical, terá muito mais facilidade para entender uma partitura, pois já terá vivenciado as características próprias do som, através de brincadeiras e jogos musicais.
O psicanalista e educador Rubens Alves sintetiza com maestria o que foi dito acima:
“Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes".
MÚSICA PARA O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
A neurocientista Viviane Louro, em seu livro Fundamentos da aprendizagem musical da pessoa com deficiência afirma que: “Os princípios básicos da psicomotricidade estão implícitos em cada item da aprendizagem musical, seja teórica ou prática. Para que se possa tocar ao piano, serão necessárias firmes noções de espacialidade e temporalidade, bem como lateralizarão definida. Faltando qualquer desses pré-requisitos, o aluno enfrentará muitas dificuldades no aprendizado.”
Nas aulas de musicalização, utilizando brincadeiras e canções próprias á faixa etária onde o aluno terá a oportunidade de vivenciar o corpo corretamente, explorará o espaço ao redor, experimentará diferentes movimentos locomotores, o que contribuirá para o desenvolvimento natural das funções neuropsicomotoras.
Instrumentos musicais também são muito utilizados nas aulas de música, seja em histórias onde estes são apresentados, trazidos pelos professores ou construídos por eles com materiais recicláveis, estimulando assim o interesse das crianças pelas pesquisas sonoras de diversos materiais e relacionando os princípios acústicos com os elementos fundamentais do som. Os mais utilizados na primeira infância, geralmente são os de pequena percussão (tambores, guizos, clavas, chocalhos...), pois são leves, fáceis de manusear e perfeitos para se trabalhar o desenvolvimento psicomotor. Essas atividades fazem com que a criança desenvolva sua habilidade motora e seu desenvolvimento rítmico, que tem papel fundamental na formação e equilíbrio do sistema nervoso. Ao praticar um movimento adaptado a um ritmo, a criança pratica diversas coordenações como dançar/cantar, cantar/fazer gestos, tocar/cantar, tocar/cantar/dançar, etc., desenvolvendo habilidades que auxiliarão a criança em diversas outras áreas, além da musical.
É de extrema importância oferecer um currículo às crianças que tenha destaque em atividades que propiciem o desenvolvimento perceptivo-motor e sócio emocional como aspecto básico da linguagem nas diversas formas, pois com o avanço feminino sobre o mercado de trabalho, as crianças ficam cada vez mais cedo nas escolas e a família hoje, tem menos condições de suprir todas as necessidades da criança. A música pode ser considerada um agente facilitador do processo educacional.
É essencial que o educador musical tenha conhecimento dos princípios fundamentais da música como nível pedagógico e também estudo profundo sobre o desenvolvimento infantil, para que este possa oferecer a música de forma adequada, com graduação de estímulos, para beneficiar o bem-estar e o desenvolvimento dos alunos, inclusive para as crianças que possuem necessidades especiais.
Portanto, as brincadeiras musicais são de suma importância para o desenvolvimento infantil e a partir das vivências musicais, o pensamento infantil vai se organizando e seu conhecimento vai se desenvolvendo.
Por volta dos 4-5 anos, as crianças já são capazes de tocar arranjos mais elaborados, com divisão de naipes. Essa vivência é muito importante, pois ela aprende a esperar a sua vez, a vez do outro, tocar em grupo, se concentrar para tocar corretamente e vivenciam na prática, os elementos da linguagem musical que foram aprendidos anteriormente, através de brincadeiras e jogos musicais.
CONCLUSÕES FINAIS
A educação musical comprovadamente traz muitos benefícios a longo prazo para a vida das pessoas, portanto é um elemento fundamental para um ser humano melhor, mais equilibrado em sua formação integral. De uma forma divertida, a criança desenvolverá diversas habilidades, auxiliará em sua desinibição e contribuirá para o aumento de sua sensibilidade e autoestima.
Acima de tudo, o eixo norteador da educação musical de qualidade, é desenvolver o gosto pela música, para que esta linguagem se torne companheira e amiga de todas as horas, aquela que se pode contar nos momentos mais difíceis e alegres do ser humano. É este o poder que a música tem!
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Sobre a autora: Débora Munhoz Barboni, leciona como professora de música desde 1999. Possui formação acadêmica em Artes , Piano , Pós-Graduação em Educação Infantil e Psicopedagogia. Deu entrevistas para a revistas como: Pais&Filhos e Iberian Neurocience, além de escrever artigos para Nestlé e sites como Pediatra Online. Ministra diversas palestras e cursos de formação para professores da educação infantil e fundamental I (sempre abordando a temática da importância musical no desenvolvimento integral da criança desde cedo). Possui uma página no Facebook, um site próprio e um canal no YouTube chamados “Cantinho da Música” e cursos online. É autora de materiais sobre Musicalização infantil: CD-Vai começar 1, CD-Canções para Brincar 1 e 2, Guia Prático com músicas, partituras e orientação didáticas.